Já se faz tarde
E ao longe ainda posso avistar
Um pedaço de mim
Que se vai adentrando
Na bruma cinzenta,
Que audaciosamente vai se despertando
Buscando aconchego
No seio da tarde,
Devorando o dia vorazmente
Com sua gula sobrenatural.
E lá vai o petiz
Estonteante e reluzente
Engolindo quilômetros.
Vai a galope,
Como se fosse ao encontro
Da noiva Lua
Que, ornada de véu
Límpido e longo,
O espera impaciente
No altar do templo sagrado
Iluminado pelos candelabros
Dos seus olhos.
E um pedaço de mim,
Entre outras migalhas,
Ruma-se ao glorioso festim
Onde a alforria e os frêmitos
Antecipam a apoteose da salvação.
Fitou os meus olhos
E partir em sua candura.
Agora, há milhas daqui,
Mal posso avistá-lo
Se as lágrimas inundam meus olhos
Numa correnteza sem fim.
O cortejo condoído
Já se dispersou
E eu continuo sôfrego
Esperando o adeus derradeiro.
Afinal, é um pedaço de mim
Que se vai em sua epifania,
Parecendo um efeito de ficção
Projetado na tela sombria
Da amplidão sideral.
Nem sequer despediu-se
E cerrou seus olhares negros
Vislumbrando, decerto
O outro lado da vida.
A noite vai esbulhando as horas
No apogeu da sua negritude
E nenhum gesto, nenhum aceno
Do aprisco vejo chamejar.
N’alma resta apenas
A expectativa do celeste regresso
Vão e ilusório…
Mas ainda estou aqui, impávido e triste
A fitar o céu no seu longínquo,
Pois um pedaço de mim
Evadiu-se para cirandar
Nas colinas excelsas,
Além da minha imaginação.