Cotidiano

Rompe-se a autora dolente
Nas áureas cores do firmamento,
Mansa, lenta e esplendorosa
Como dama onipotente,
Trazendo a certeza pasmada
Da rotina pesada
Que volta a renascer.
Ao eco dos gargarejos
Desperta-se a multidão.
Ouve-se o tilintar das xícaras
E o aroma típico do desjejum
Perfuma o frescor da manhã.
Pouco a pouco se emaranha
A ala dos labutadores,
Como um turbilhão que parte
Devastando pensamentos.
No abismo da força motriz
Um torpe grito se aguça
Atraindo a marcha triste
Dos obreiros padecentes.
No caminho permeado
De cataclismo e oblação,
Uma lição a plasmar:
Há que se produzir,
Não há que contemplar.
É alto o preço da vida
Cumpre-se as escrituras:
Do suor do teu rosto
Erga tua pirâmide.
O dia a dia se esvai
Pesado e enfadonho
Como mil mulheres grávidas.
Um suspiro, um sussurro
De repente uma algazarra.
Pode se repousar.
Nesse instante invade o pensamento
Imagens sôfregas reais
Daqueles que antanho ficaram
Esperando pelo pão.
No regressar da estafa
Quando os passos se aceleram,
A sede se refresca
Com o pó da estrada.
Fim de tarde carregada.
A distância vai sendo engolida,
O rancho espurco
Agora se aprochega,
Dura realidade dos tempos.
Depara-se, enfim, com o leito
E se lança desfalecido,
Pois ao fim de toda jornada
Há sempre uma bela adormecida.

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