O poeta sai pela noite…
A chuva ciosa cai
E acompanha o poeta
Onde o poeta vai?
Cai como fêmea fogosa
Cheia de impetuosidade
Com traje coloidal
Desvendando sensualidade.
E o poeta caminha
A chuva o observa
E o poeta não vê
Que a formosa malfazeja
Com seus olhares confiscos
Venera-lhe e o deseja.
Tenebrosa ela escorre
Agora fina e estuante,
Feito lâmina esmerilada
Risca a face dourada
Do poeta galopante.
Desvairado ela retarda
Seus passos pelo caminho;
Se alguém conteve-lhe, por certo,
Far-lhe-á mais um carinho.
Voluptuosa, porém,
A chuva dele se aproxima
E tão somente a esquina
É testemunha do fato
Do amor à primeira vista
Que a graciosa mandriona
Com seus olhares de medusa
Vê o poeta e se apaixona.
Sem ao menos palpitar
O poeta deixa envolver-se
E sente que a mão da serpente
Aos poucos o despenteia
E beija seus lábios rubros
Afaga-lhe e o galanteia
Recita-lhe versos de cartilha
Que muito o lisonjeia.
O insigne poeta a encara
Protesta, repugna e a condena
Mostrando-lhe garbosamente
Seu esplendoroso emblema:
Que o poeta que é poeta
Vê a lua e se encanta
Transportando para a alma
A sua pureza santa,
Mas fica convicto de que
Cobiçá-la não adianta.
A chuva desapontada
No auge do desatino
Eleva a mão hasteada
E faz súplica ao Divino:
– Que extermine o poeta
Que apareceu em sua reta
Num reluzir do destino.
O poeta enfunado
Dela zomba e desvirtua
E caminha feito alado
Para o oposto da rua
Deixando a deusa das águas
Crua, sedenta e nua.
Estrambótica ela resmunga
Agora sem intervalo
Fazendo juras macabras
Querendo exorcizá-lo:
– Verás, poeta, minha fúria
Quando em meus braços afogá-lo.